Alfabetização e letramento: Ações pedagógicas nos
primeiros anos do Ensino Fundamental

Alfabetización y literatura: Acciones pedagógicas
en los primeros años de Escuela Primaria

Literacy and literature: Pedagogical actions
in the first years of elementary education

Ñeporombo’e ha ñe’eporãhaipyre: oñembo’eháicha
mitãmimíme Mbo’ehao primaria-pe

 

Jeane Costa Malheiros, Maria Orminda Miranda de Souza
y Aldalea Balieiro Santiago

Universidad Tecnológica Intercontinental

 

Nota del autor

 Formadores Locales del Programa Criança Alfabetizada

 [email protected]

 

Resumo

Alfabetizar letrando significa desenvolver práticas de ensino para que o aluno possa aprender a ler e escrever a partir da convivência com práticas de leitura e de escrita, utilizando livros, jornais, revistas, entre outros suportes no contexto da sala de aula, transformando esse espaço em um ambiente alfabetizador. Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo geral relacionar o processo de alfabetização e letramento com ações pedagógicas possíveis de serem realizadas nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Como objetivos específicos temos: descrever o processo de aquisição da escrita de acordo com a teoria da psicogênese da escrita desenvolvidas pelas pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky; compreender a finalidade e importância da realização do diagnóstico da alfabetização; refletir sobre alfabetização e letramento como processos cognitivos e linguísticos distintos, porém interdependentes; conhecer ações pedagógicas e processos de alfabetização e letramento. Para tanto, utilizou-se como metodologia uma pesquisa bibliográfica com base em materiais publicados, tais como: livros; revistas; artigos científicos, Referencial Curricular Amapaense (RCA), dentre outras fontes pertinentes a temática em questão. Os resultados desta pesquisa foram fundamentados teoricamente por Barbosa (1991), Chartier (1996), Emília Ferreiro (1999), RCA (2019), Ribeiro (2006), Soares (2021), Teberosky (2003), entre outros, que evidenciaram que a prática pedagógica significativa no processo de alfabetizar letrando é uma prática comprometida, reflexiva e mediadora do conhecimento, embora, complexa e cheia de desafios, sendo indispensável compreender a alfabetização como processo multifacetado e indissociável de práticas de letramento.

Palavras-chave: diagnóstico, alfabetização, letramento, leitura, escrita, ambiente alfabetizador

Resumen

Alfabetizar por alfabetizar significa desarrollar prácticas docentes para que el estudiante aprenda a leer y escribir a partir de la convivencia con las prácticas lectoescritoras, utilizando libros, diarios, revistas, entre otros soportes en el contexto del aula, transformando este espacio en un ambiente alfabetizador. . Por tanto, el presente artículo tiene como objetivo general relacionar el proceso de lectoescritura y lectoescritura con posibles acciones pedagógicas a realizar en los primeros años de la Enseñanza Fundamental. Como objetivos específicos tenemos: describir el proceso de adquisición de la escritura según la teoría de la psicogénesis de la escritura desarrollada por las investigadoras Emília Ferreiro y Ana Teberosky; comprender el propósito y la importancia de realizar el diagnóstico de alfabetización; reflexionar sobre la alfabetización y la alfabetización como procesos cognitivos y lingüísticos distintos pero interdependientes; conocer acciones pedagógicas y procesos de alfabetización y alfabetización. Para ello, se utilizó como metodología una investigación bibliográfica basada en materiales publicados, tales como: libros; revistas; artículos científicos, Referencial Curricular Amapaense (RCA), entre otras fuentes pertinentes al tema en cuestión. Los resultados de esta investigación fueron sustentados teóricamente por Barbosa (1991), Chartier (1996), Emília Ferreiro (1999), RCA (2019), Ribeiro (2006), Soares (2021), Teberosky (2003), entre otros, quienes demostraron que La práctica pedagógica significativa en el proceso de alfabetización es una práctica comprometida, reflexiva y mediadora del conocimiento, aunque compleja y llena de desafíos, por lo que es fundamental entender la alfabetización como un proceso multifacético inseparable de las prácticas alfabetizadoras.

Palabras claves: diagnóstico, alfabetización, alfabetización, lectura, escritura, ambiente de alfabetización


Abstract

Literacy by literate means developing teaching practices so that the student can learn to read and write from the coexistence with reading and writing practices, using books, newspapers, magazines, among other supports in the context of the classroom, transforming this space into a literacy environment. Therefore, the present article has as general objective to relate the literacy and literacy process with possible pedagogical actions to be carried out in the first years of Elementary School. As specific objectives we have: to describe the process of writing acquisition according to the theory of writing psychogenesis developed by the researchers Emília Ferreiro and Ana Teberosky; understand the purpose and importance of carrying out the literacy diagnosis; reflect on literacy and literacy as distinct but interdependent cognitive and linguistic processes; to know pedagogical actions and literacy and literacy processes. Therefore, a bibliographic research was used as a methodology based on published materials, such as: books; magazines; scientific articles, Referencial Curricular Amapaense (RCA), among other sources relevant to the subject in question. The results of this research were theoretically supported by Barbosa (1991), Chartier (1996), Emília Ferreiro (1999), RCA (2019), Ribeiro (2006), Soares (2021), Teberosky (2003), among others, who showed that The significant pedagogical practice in the process of teaching literacy is a committed, reflective and knowledge-mediating practice, although complex and full of challenges, making it essential to understand literacy as a multifaceted process inseparable from literacy practices.

Keywords: diagnosis, literacy, literacy, reading, writing, literacy environment

Ñemombykypyre

Oñeporombo’évo oñemoñe’ẽ ha ojehaikuaa hag̃ua niko he’ise mbo’ehára oñemongu’ehahína jahechápa temimbo’e oikũmby omoñe’ẽva ha ohai oñemba’apóvo hendive omoñe’ẽ ha ohaívo, ha upevarã ojeporu aranduka, kuatiahaipyre hamba’e ambue pojoapy ndive mbo’ehakotýpe, tove ko tendápe oñemoaranduvakuéra tomoñe’ẽ, toikũmby omoñe’ẽva ha tohaikuaa. Upéicha rupi niko ko jehaipy rupive tuichaháicha oñembohovakese ñemoñe’ẽ ha jehai ambue mba’e oñemboguatakuaáva ndive oñeñepyrũvo oñehekombo’e mitãnguérape mbo’ehaópe. Jehupytyvoirãramo oñemboguapy: oñemoha’ãngahai mba’éichapa mitã ohaikuaañepyrũ teoría psicogénesis he’iháicha, omboguatáva arandupy hapykuererekahára Emília Ferreiro ha Ana Teberosky; ojehechakuaa mba’erã ha mba’érepa tuicha mba’e ojekuaara’ã jeporombo’e; ojejepy’amongeta ñemoñe’ẽ ha jehaikuaa jehekombo’e rehe ojoavyha ojuehegui ojekuaapy hy ñe’ẽme, katu ojoguerahaha ojopógui; ojekuaa mba’éichapa oñembo’e ha oñemba’apo ojehekombo’évo mitãme omoñe’ẽ ha ohaívo. Oñemboguata hag̃ua, ojejeporeka kuatia jehaipy oñepombo’e hag̃ua oñemyasãimbyréva rehe, umíva apytépe: aranduka, kuatiahipyre, artículo ko’ã mba’e rehegua, Referencial Curricular Amapaense (RCA) hamba’e, oguerekóva marandu ko tembiapo rehegua. Ojejuhúva ko jeporekapýpe oñemopyenda marandu ohaiva’ekue Barbosa (1991), Chartier (1996), Emília Ferreiro (1999), RCA (2019), Ribeiro (2006), Soares (2021), Teberosky (2003)-pe hamba’e, ohechaukava’ekue oñeporombo’éramo hekopete oñemoñe’ẽ ha ojehaívo mbo’ehára omba’apoha py’amongetápe, ha’e ojokuái tembikuaa, jepevéramo hembiapo ijetu’u; upéicha rupi tekotevẽ ojehechakuaa ñeporombo’e heta hakãha ha tembiapo ndekuaavaha oñembo’évo tapichápe omoñe’ẽ, oikũmbývo omoñe’ẽva ha ohaikuaávo.

Mba’e mba’e rehepa oñeñe’ẽ: Jekuaara’ã, Ñeporombo’e, Ñemoñe’ẽ, Jehai, Tenda Oñeporombo’eha

 

Fecha de recepción: 30/11/2021

Fecha de aprobación: 13/04/2023


Alfabetização e letramento: ações pedagógicas nos primeiros anos do Ensino Fundamental

Diversos estudos contribuem para a compreensão de alfabetização e de letramento com fundamentação em reflexões da Psicogênese da Língua Escrita, da Psicologia do Desenvolvimento cognitivo e linguístico, da Psicologia cognitiva, das ciências da linguagem, sobretudo a Psicolinguística, a Fonologia e a linguística textual.

As crianças se apropriam de muitas e diferentes competências no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, sendo necessário desenvolver diversas habilidades para aprender a ler e a escrever, uma delas é o conhecimento das relações letra-som, ou seja, aprender a relação do fonema-grafema ou grafema-fonema, que é a base indispensável para compreender o princípio alfabético. Mas não é apenas em situações de reflexão sobre a linguagem oral e escrita que o ensino deve ser pautado. As práticas de leitura e de escrita criam constantemente desafios para o desenvolvimento da aprendizagem da criança na compreensão do sistema de escrita alfabética, na consciência fonológica, no conhecimento das letras, na apropriação de normas ortográficas, nas habilidades de ler, interpretar e produzir textos.

No cenário educacional para muitos educadores, alfabetizar letrando apresenta-se como um grande desafio, pois para isso é essencial que o professor domine saberes específicos para o desenvolvimento efetivo das aprendizagens de leitura e escrita das crianças. Dessa forma levanta-se os seguintes questionamentos: Como alfabetizar em contexto de letramento? Quais ações pedagógicas considerar para que ocorra intencionalidade no processo das aprendizagens?

A realização de diagnóstico adequado e prática docente voltada para alfabetização e letramento, e conhecimentos específicos atrelados a uma fundamentação reflexiva teórico-prática de modo a orientar, pedagogicamente, ações e metas para o desenvolvimento de aprendizagem, favorecem o alcance da alfabetização e possibilitam que os alunos, ao final do processo de escolarização possam fazer uso competente da Língua Materna.

Em consonância com os objetivos deste trabalho que apresenta o tema – Alfabetização e letramento: ações pedagógicas nos primeiros anos do Ensino Fundamental, o resultado da pesquisa realizada, foi estruturado de maneira a apresentar como acontece a construção do sistema de representação da escrita e a elaboração de instrumento de sondagem para identificação das hipóteses das crianças no processo de construção da escrita alfabética.

Inicialmente faz-se uma breve reflexão acerca dos métodos de alfabetização ocorridos no passado. Em seguida, discorre-se sobre como funciona o sistema alfabético da escrita defendido por Emília Ferreiro e Ana Teberosky e estudiosos da área, fazendo um esclarecimento das hipóteses de escrita. Acrescenta-se explanação sobre a finalidade da sondagem e sua importância e algumas considerações sobre alfabetização e letramento enfatizando que ambos podem caminhar juntos. Por último, ações pedagógicas possíveis de serem realizadas nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Nas considerações finais abordam-se a questão da necessidade do educador/alfabetizador pesquisar e investigar as diferentes hipóteses de escrita de modo a acompanhar o desenvolvimento de cada aluno para realizar intervenções adequadas, citando que não é o único tipo de diagnóstico a ser realizado, lembrando que a realização desse diagnóstico não tem o objetivo de classificar e rotular os alunos, mas de refletir e agir em prol do desenvolvimento dos mesmos.

Além disso, ressalta-se a necessidade de promover oportunidades de as crianças conviverem com materiais escritos que tenham como referência as práticas sociais de leitura e de escrita. Faz-se também referência sobre os principais entraves da ausência de um diagnóstico adequado para identificar corretamente as hipóteses de escrita e alfabetizar em contexto de letramento. Ainda, reflete-se sobre a importância da formação continuada no fazer docente, considerando principalmente as ações pedagógicas que o professor precisa desenvolver para favorecer o processo de alfabetização e letramento.

Método

O presente trabalho surgiu de uma leitura prévia de literatura específica sobre o tema em questão. Construindo-se a pesquisa bibliográfica por análise de livros, artigos, texto de internet e Referencial Curricular Amapaense com o intuito de reunir informações para construir os argumentos teóricos que subsidiem os alicerces dos resultados da pesquisa bibliográfica.

Resultados

Os resultados fundamentam-se numa abordagem bibliográfica de práticas em alfabetização e letramento que no processo de desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita apresentam a necessidade do conhecimento, análise e reflexão da fundamentação teórico-prática, destacando vários autores nas seções e subseções pertinentes ao desenvolvimento do tema em estudo.


Sistema de escrita alfabético

A discursão sobre quais métodos de alfabetização são mais adequados, sempre permeiam o ambiente educacional, na persistência de muitos docentes em encontrar uma forma mais eficiente de alfabetizar sua turma. A questão dos métodos de alfabetização é histórica, com controvérsias e polêmicas, presentes desde as décadas finais do século XIX quando começa a fortalecer um sistema público de ensino com necessidade de implementação de um processo de escolarização que propiciasse às crianças o domínio da leitura e da escrita com argumenta Soares:

Como consequência da indefinição de como garantir esse domínio, o método para a aprendizagem inicial da língua escrita tornou-se, já então, uma questão, no primeiro sentido da palavra – uma dificuldade a resolver; e como consequência de diferentes respostas sugeridas para essa dificuldade o método tornou-se, também já então, uma questão, no segundo sentido da palavra -, um objeto de controvérsias e polêmicas. Uma questão que atravessou o século xx e ainda persiste, recebendo, ao longo do tempo, sucessivas pretensas ‘soluções’, em movimento, analisado por Mortatti (2000), de contínua alternância entre ‘inovadores” e “tradicionais”: um “novo” método é proposto, em seguida é criticado e negado, substituído por um outro novo” que qualifica o anterior de “tradicional”; este outro “novo” é por sua vez negado e substituído por mais um “novo” que, algumas vezes, é apenas o retorno de um método que se tornara “tradicional” e renasce como “novo”, e assim sucessivamente. (2019, pp. 16-17)

A partir dos anos 1979 como atesta Morais (2012) houve grande divulgação da teoria da psicogênese da escrita desenvolvida pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro y Ana Teberosky. Desde 1980, com rótulo de “construtivismo” bastante difundida, diversificou as pesquisas nessa área a partir de estudos de métodos de ensino e investigação nos processos de aprendizagem.

Sobre o assunto Morais contribui dizendo que:

Geralmente sob o rótulo de ‘construtivismo’, tem sido, desde os anos 1980, bastante difundida na formação inicial e continuada de nossos professores e faz parte da fundamentação de documentos do MEC, como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa, de primeira a quarta série, instituídos em 1996. Reconhecendo as grandes contribuições que trouxe – e os grandes desafios e lacunas que provocou, ao desbancar os métodos tradicionais de alfabetização -, vamos aqui denomina-la de ‘teoria da psicogênese da escrita’. Quanto ao alfabeto, assumindo os ensinamentos dessa perspectiva teórica, vamos chama-lo de Sistema de Escrita Alfabética (ou, de forma abreviada, SEA), de “sistema de notação alfabética’, “sistema alfabético” ou “escrita alfabética’, sem distinção. (2012, p. 45)

A partir das pesquisas de Emília Ferreiro sobre o caminho através do qual a criança toma consciência da natureza alfabética do nosso sistema de representação escrita, as crianças elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do sistema de escrita – com quantas letras se escreve uma palavra, quais são elas e em que ordem elas aparecem.

Para descrever o processo de aquisição da escrita é importante considerar que o ponto de partida da aprendizagem é a própria criança, pois de acordo com as pesquisas iniciadas por Ferreiro e comprovadas por diversos estudiosos, a compreensão é de que a escrita não é um código a ser assimilado e sim um sistema de representação que cada um reconstrói até estar plenamente alfabetizado. Nesse sentido, Ribeiro afirma que:

[...] A psicogênese de Ferreiro revela que a criança, espontaneamente, elabora estratégias para utilizar e interpretar os sistemas de representação que a cultura lhe coloca à disposição e que com elas pode enfrentar os desafios da leitura e da escrita. [...] Emília Ferreiro denuncia como uma prática pedagógica equivocada a tentativa do professor de negar o aprendizado espontâneo como se fosse um fator que atrapalhasse o aprendizado sistemático. Trata-se de uma crítica importante que se aplica de forma mais geral a uma concepção pedagógica tradicional ainda bastante arraigada. A descoberta de que conteúdos tipicamente escolares como a leitura e a escrita têm sua pré-história no desenvolvimento espontâneo ilumina as disponibilidades da criança para o ensino. (2006, p. 68)

Segundo Ferreiro y Teberosky (1999) “o nome próprio como modelo de escrita, como a primeira forma escrita dotada de estabilidade, como o protótipo de toda escrita posterior, em muitos casos, cumpre uma função muito especial na psicogênese” (p. 221). Em contrapartida, Teberosky (1995) enfatiza que antes de compreender como funciona o sistema alfabético da escrita, as crianças começam diferenciando desenho de escrita. Uma vez que sabem quais são as marcas gráficas elas elaboram hipóteses sobre a combinação e a distribuição das letras. Tais hipóteses não se referem ao significado das letras, mas como estas se combinam entre si e quantas são necessárias em uma combinação. Trata-se de idéias que funcionam como princípios organizadores do material gráfico, princípios que orientam a possibilidade de interpretar um texto ou de fazer uma leitura.

[...] as crianças distinguem entre textos que têm “poucas letras” e textos que “são para ler” [...] também rejeitam textos com letras repetidas porque “são todas iguais”. Por outro lado, várias letras diferentes, combinadas com pelo menos uma certa alternância, são consideradas para ler. Dizemos, portanto, que essas restrições que as crianças impõem ao material gráfico são para permitir um ato de leitura. (Ferreiro & Teberosky, 1999, p. 46)

Segundo Barbosa, Ferreiro y Teberosky “concebem a escrita como objeto de conhecimentos da criança e analisam a evolução das concepções infantis sobre a língua escrita” (1991, p. 74), que a Psicogênese pressupõe a criança como um sujeito que constrói ativamente o saber onde a escrita deixa de ser percebida como um código, cujos elementos e relações são dados previamente, e passa ser concebida como um sistema de representação da linguagem, por isso a tarefa da criança, na alfabetização é, através de um processo de construção, superar hipóteses precárias e, num refinamento de hipóteses já produzidas, chegar a compreender como a linguagem está representada na escrita. Nesse sentido, é imprescindível que o professor alfabetizador saiba como e quando intervir nas hipóteses de escritas das crianças, lançando mão de ações estratégicas carregadas de intencionalidades.

Diante disso, Barbosa (1991) ressalta algumas consequências que deem ser consideradas a partir das investigações sobre as hipóteses de escrita dos alunos, no sentido de tornar a alfabetização das crianças nas séries iniciais mais eficiente e eficaz, que são as seguintes:

-         Fica superada a visão da alfabetização como domínio de uma técnica, o processo passa a ser visto como uma aprendizagem conceitual;

-         Estabelece-se a distinção entre a intervenção do ensino e o processo de aprendizagem; a possibilidade de assimilação da informação veiculada depende do nível de conceituação da criança;

-         O objetivo do processo é proporcionar oportunidades de uso da escrita, a fim de levar a criança à compreensão da estrutura da língua, entendida como um sistema de representação da linguagem;

-         Enfatizam-se as produções espontâneas da criança, pois essas revelam como está utilizando a escrita; essa utilização passa por etapas reconhecíveis, antes mesmo da criança atingir o nível denominado alfabético;

-         Os erros de escrita se transformam em índices que evidenciam etapas constitutivas do processo;

-         O domínio ortográfico é adiado para uma fase posterior ao domínio alfabético;

-         A sala de aula se transforma em um ambiente alfabetizador, proporcionando a interação constante da criança com o objeto a ser conhecido;

-         Determina-se um uso social (e não escolar) da escrita.


Níveis de desenvolvimento da escrita

De acordo com Gurgel (2007) a teoria sobre as hipóteses de escrita segundo as pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, perpassa por fases:

-          Hipótese pré-silábica: nessa fase o aluno adota simplesmente o critério de que, para escrever, é preciso uma quantidade de letras (no mínimo três) diferentes entre si;

-          Hipótese silábica: quando a criança passa a registrar uma letra para cada emissão sonora, inicialmente sem valor sonoro e depois com correspondência sonora nas vogais e/ou nas consoantes.

-          Hipótese silábico-alfabética: nessa fase, as escritas incluem sílabas representadas com uma única letra e outras com mais de uma letra.

-          Hipótese alfabética: quando a criança começa a representar cada fonema com uma letra, considera-se que a criança compreende o princípio alfabético de nossa escrita. No entanto, mesmo nessa fase, os alunos ainda apresentam erros de ortografia.

A escrita da palavra camiseta de acordo com cada hipótese:

-          Pré-silábica: PBVAYO

-          Silábica sem valor sonoro: ERFE

-          Silábica com valor sonoro: KIZT

-          Silábico-alfabética: KAIZTA

-          Alfabética: CAMIZETA

Partindo dessa sucinta explanação, Soares (2019) afirma que na teoria do desenvolvimento da criança em seu processo de construção do sistema de escrita são definidos explicitamente os níveis de desenvolvimento da escrita:

-          Nível 1 – Diferenciação entre as duas modalidades básicas de representação gráfica: o desenho e a escrita; o uso de grafismos que imitam as formas básicas de escrita: linhas onduladas – garatujas, se o modelo é a escrita cursiva, linhas curvas e retas, ou combinação entre elas, se o modelo é a escrita de impressa; reconhecimento de duas caraterísticas básicas de escrita: a arbitrariedade e a linearidade

-          Nível 2 – Uso de letras sem correspondência com seus valores sonoros e sem correspondência com as propriedades sonoras da palavra (número de sílabas), em geral respeitando as hipóteses da quantidade mínima (não menos que três letras) e da variedade (letras não repetidas), nível a que se tem atribuído a designação de pré-silábico.

-          Nível 3 - Uso de uma letra para cada sílaba da palavra, inicialmente letras reunidas de forma aleatória, sem correspondência com as propriedades sonoras das sílabas, em seguida leras com valor sonoro representando um dos fonemas da sílaba: nível silábico.

-          Nível 4 Passagem da hipótese silábica para a alfabética, quando a sílaba começa a ser analisada em suas unidades menores (fonemas) e combinam-se, na escrita de uma palavra, letras representando uma sílaba e letras já representando os fonemas da sílaba: nível silábico-alfabético.

-          Nível 5 escrita alfabética que, segundo Ferreiro e Teberosky, é o final do processo de compreensão do sistema de escrita: A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este nível, a criança já franqueou a “barreira do código”; compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever (Soares, 2019, p. 65).

Um professor de alfabetização com formação teórico-prática na concepção da psicogênese da escrita não considera errada a palavra escrita de forma incompleta ou não coerente com a escrita padrão pela criança, pois compreende que são “erros” resultantes do processo de elaboração cognitiva particular de cada indivíduo. No princípio alfabético é essencial o conhecimento das relações letra-som, porém a criança quando compreende que nas palavras são representadas por combinações de grafemas (letras) e que representam fonemas pode enfrentar dificuldades em relação à ortografia, mas não ao princípio alfabético.

No entanto, a criança, embora já alfabética, tendo se apropriado do princípio alfabético e sabendo relacionar fonemas com letras, ainda comete erros ao escrever. É que falta à criança aprender a escrever de acordo com regras e irregularidades básicas da ortografia da língua, em que as relações fonema-letra não são sempre unívocas, isto é, a cada letra nem sempre corresponde um mesmo fonema, a cada fonema nem sempre corresponde uma só letra. (Soares, 2021, p. 143)

Para Vale (2002, p. 15) a maioria dos erros são erros construtivos, isto é, “tentativas de respostas e saídas para situações de conflito cognitivo. Mostram como o aluno estava pensando no momento de escrever, que dificuldades se fizeram presentes, o que lhe falta aprender para solucionar estas dificuldades”. Esse processo possibilita uma avaliação diagnóstica, sendo que a intervenção do professor nos momentos de dúvida do aluno permite que este prossiga em sua aprendizagem.


Finalidade e importância do diagnóstico

Conhecer e compreender como realizar um diagnóstico no ciclo de alfabetização torna-se necessário para analisar o processo de aprendizagem da leitura e da escrita sob o ponto de vista da criança, com uso de instrumentos de sondagem elaborados adequadamente seja para identificação das hipóteses de escrita, seja para perceber outras habilidades relativa ao processo de leitura e escrita.

O instrumento de sondagem tem uma finalidade indispensável para ser o ponto de partida da intervenção de um alfabetizador, sendo assim, elaborar atividade, para realizar com cada aluno, de forma a descobrir o que cada um sabe e o que não sabe sobre a escrita e posteriormente outras habilidades. Soares (2021) ressalta sobre acompanhamento que significa a ação docente de estar junto à criança em seu processo de aprendizagem e:

Para ampliar a compreensão de diagnóstico no processo ensino-aprendizagem, uma analogia com o uso da palavra na área médica é esclarecedora: quando o médico faz um diagnóstico, busca identificar a doença por meio de sintomas revelados pelo cliente, e assim pode definir o tratamento. Da mesma forma, usamos diagnósticos com o objetivo de identificar dificuldades que a criança esteja enfrentando por meio de seus erros, que são os “sintomas” que nos permitem definir e orientar a intervenção, como o médico define o tratamento identificando a doença por meio dos sintomas (p. 310).

Na perspectiva em que se insere a abordagem psicogenética, o diagnóstico é importante porque permite que:

O professor não avalia o aluno para classificá-lo ou compará-lo com outros, mas para especificar, descrever, interpretar, enfim, conhecer o seu progresso e os erros evidenciados nas atividades funcionais de leitura e de escrita, realizados individualmente pelo alfabetizando ou em interação com os demais – professores e colegas. A avaliação não tem função classificatória e comparativa, mas uma função dialógica e interativa, onde alunos e professor, inseridos no seu contexto social e político, podem desenvolver sua capacidade crítica e de participação. (Campelo, 2001, p. 100)

Segundo o Módulo 1 do Programa de Formação de professores, do MEC, enfatizado por Gurgel (2007, p. 38) que o diagnóstico deve ser feito logo no início do ano e repetido no mínimo um vez “por bimestre para perceber os avanços e as dificuldades dos alunos com objetivo de planejar uma boa aula e propor atividades adequadas para levar cada um a se desenvolver ainda mais e chegar ao fim do ano lendo e escrevendo”. Além disso, é preciso escolher atividade que seja feita regularmente, como por exemplo, as listas, seja de frutas, cores, animais, entre outras.

Nessas condições, o Programa de Formação de professores sugere em: ditar uma lista de quatro palavras (uma polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba). Ainda alerta que é preciso tomar cuidado para que as sílabas próximas contenham vogais diferentes, pois a maioria das crianças que começa a se familiarizar com o sistema de escrita inicia os registros apenas com vogais e acredita que é necessário usar letras diferentes para escrever, então para elas, se o professor ditar “arara”, muitos poderiam querer escrever AAA e entender que isso não tem sentido.

Além disso, caso o professor dite apenas monossílabos, as crianças também podem se recusar a escrever quando as mesmas acham ainda que as palavras devem ter no mínimo por volta de três letras, por isso, é importante várias palavras para provocar o estudante a refletir sobre a forma de representação das mesmas.

Finalmente, o Programa de Formação de professores sugere que o professor deve pedir que cada criança leia o que escreveu, pois permite verificar se a mesma estabelece algum tipo de correspondência entre partes do falado e partes do escrito e não esquecer de registrar tudo. Com esse material, fica mais fácil planejar atividades que façam os alunos avançar, acompanhar a evolução de cada um e montar os agrupamentos produtivos.

Soares afirma que os diagnósticos são considerados parte da “ação docente cotidiana, permanentes como características da atuação das/os professoras/es na sala de aula: sempre acompanhando a aprendizagem das crianças e atentas/os a dificuldades ou dúvidas que elas manifestem, para orientá-las a vencê-las no contexto de sua turma (2021, p. 311)”. E “compreender como a criança aprende a língua escrita, o sistema alfabético e seus usos, e com base nessa compreensão, estimular e acompanhar a aprendizagem com motivação, propostas, intervenções, sugestões, orientações, o que supõe um olhar reflexivo e propositivo sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança (Soares, 2021, p. 290).

E além disso, Soares diz que diagnósticos exigem que se tenha definido claramente o que “se pretende que a criança aprenda, as metas a alcançar: verificam se as crianças estão alcançando os conhecimentos e as habilidades definidos como necessários para que elas se tornem alfabetizadas e letradas (2021, p. 310)”.


Alfabetização e letramento

Na segunda metade dos anos 80, surge no discurso dos especialistas das áreas da Educação e das Ciências Linguísticas a palavra letramento. Segundo Soares:

A palavra aparece no livro de Mary Kato, de 1986 (No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, Editora Ática) e em 1988 no livro Adultos não alfabetizadas: o avesso do avesso, Editora Pontes em que Leda Verdiani Tfouni distingue alfabetização de letramento no capítulo introdutório ganhando estatuto de termo técnico no léxico dos campos da Educação e das Ciências Linguísticas. Em 1995, já aparece no livro Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita da autora Ângela Kleiman. (Soares, 2020, p. 15)

Desde esses estudos, a palavra letramento torna-se cada vez mais frequente no discurso escrito e falado de especialistas. Castanheira (2008, p. 15, apud Simonetti, 2015, p. 13) traz uma reflexão sobre a escola como espaço-tempo significativa no processo de aprendizagem da alfabetização e letramento, sendo o professor consciente como maior responsável por esse processo e que conceba a alfabetização e o letramento como fenômenos complexos percebendo que são múltiplas as possibilidades de uso da leitura e da escrita na sociedade. Soares (2004, p.15) esclarece que “[...] a alfabetização não precede o letramento, os dois processos são simultâneos”.

Porque alfabetização e letramento são conceitos frequentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo em que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, ao conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (Soares, 2003, p. 90, apud Simonetti, 2015, p. 14)

Considerar que é fundamental investigar o que as crianças já sabem a respeito das relações que as letras estabelecem com os fonemas, para fazê-las avançar em direção à compreensão do princípio alfabético é tão relevante quanto perceber que as crianças desenvolvem suas teorias a respeito da escrita, interagindo com os textos que as cercam em ambientes marcados pela cultura escrita, do espaço urbano e do espaço doméstico. Às vezes, antes mesmo de reconhecer a escrita de seu próprio nome, as crianças já “leem” globalmente uma série de logomarcas que identificam locais de vendas ou produtos com os quais tenham familiaridade.

Dessa forma, Soares ressalta que:

Aqueles que priorizam, no fenômeno letramento, a sua dimensão social, argumentam que ele não é um atributo unicamente pessoal, mas é sobretudo, uma prática social: letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Em outras palavras, letramento não é pura e simplesmente um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social (2020, p. 72),

E Chartier, Clesse y Hébrard (1996) afirmam que:

Uma das primeiras tarefas da escola é, pois, proporcionar uma pedagogia da cultura escrita que considere muito concretamente experiências infantis. As aquisições extra-escolares efetuadas em casa, no bairro ou na rua podem e devem servir de ponto de apoio para as aprendizagens feitas em aula. Mas não se pode, de saída, contar infalivelmente com esses pré-conhecimentos: para muitas crianças, eles são pouco elaborados. Para outras, existe tal clivagem entre a escola e a vida cotidiana que elas sequer sonham em utilizar seus conhecimentos empíricos na sala de aula. (1996, p. 26)

Nesse sentido, é preciso introduzir as crianças no mundo da escrita para promover oportunidades de as mesmas conviverem com material escrito e participarem de situações de uso da escrita que tenham como referência as práticas sociais de leitura e de escrita. Assim, entende-se que o conhecimento das letras não é suficiente para fazer o uso social da língua escrita, pois a escrita deve ser vista de maneira cultural e social e não apenas de forma a conhecer somente o código lingüístico. Daí a importância de alfabetização e letramento a ser desenvolvidos em atividades de leitura e produção de textos, de práticas sociais de leitura e de escrita.

Quando se fala em alfabetização entende-se geralmente por a aquisição do código escrito e o letramento que utiliza esse código em práticas sociais. Soares afirma que:

Dissociar a alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processo: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (2004, p. 14).

No entanto, a autora ressalta que é ilusão pensar que a criança, ou qualquer pessoa, aprende a ler e escrever apenas codificando e decodificando, decorando e/ou simplesmente copiando letras:

Sem dúvida, a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas, e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito. Não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa que fosse apenas capaz de decodificar símbolos visuais em símbolos sonoros, “lendo”, por exemplo, sílabas ou palavras isoladas, como também não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa incapaz de, por exemplo, usar adequadamente o sistema ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito. (Soares, 2003, p. 16, apud Simonetti, 2015, p. 15)

Vygotsky também ressalta que:

Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal (Vygotsky, 1991, p. 119).

Nesse sentido, fica claro que a escrita sendo utilizada para cópia e a leitura como repetição de sílabas tornam-se sem sentido e longe das experiências de vida e de linguagem das crianças. Vygotsky (2000, p. 398) enfatiza que: “a palavra desprovida de significado não é palavra, é um som vazio. Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da palavra”.

É preciso saber usar a leitura e a escrita em contextos sociais para que a apropriação das duas não se resuma apenas em decodificar as letras, pois conforme Soares (2004), em sociedades letradas; ser alfabetizado é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas de hoje. Ao considerar os princípios de alfabetizar num contexto de letramento deve-se admitir que o processo de aquisição da língua escrita está fortemente vinculado a uma condição cognitiva e cultural e não ao mecanismo construído por práticas pedagógicas. Nessa proposta, significa inserir a criança no mundo letrado, trabalhando com os diferentes usos de escrita na sociedade.

Sabe-se que a inserção da criança no mundo letrado começa quando a mesma interage socialmente com as práticas de letramento no seu contexto, por exemplo, quando os pais lêem para ela, quando a mãe faz anotações, quando os rótulos indicam os produtos, quando as marcas ressaltam nas prateleiras dos supermercados e na própria casa, as crianças adquirem no dia-a-dia conhecimento antes de ir para escola. Na escola, o aluno deve continuar a construção do conhecimento começado em casa e interagir com os usos sociais da escrita para ler e escrever textos significativos e não apenas decodificar.

Nessas condições Soares (2020, p. 74) afirma que “o uso das habilidades de leitura e escrita para o funcionamento e a participação adequados na sociedade, e para o sucesso pessoal, o letramento é considerado como responsável por produzir resultados importantes”, sendo pautados no desenvolvimento cognitivo, econômico, mobilidade social, progresso profissional e cidadania.

Processos de alfabetização e letramento

 Segundo Solé a alfabetização é um processo através do qual as pessoas aprendem a ler e a escrever, mas esses procedimentos vão muito além de certas técnicas de translação da linguagem oral para a linguagem escrita, pois o domínio da leitura oral, da consciência metalinguística, ou seja, da capacidade de manipular e refletir intencionalmente sobre a linguagem repercute diretamente nos processos cognitivos envolvidos nas tarefas que enfrentamos.

No entanto, na época em que aprendem a ler e a escrever, as crianças costumam se mostrar competentes no uso comunicativo da linguagem, competência que as leva inclusive a utilizar estruturas linguísticas realmente muito complexas. Esta habilidade é fundamental para a aprendizagem da leitura e da escrita. Pois bem, quando se trata de aprender o código, a criança não precisa apenas usar bem a linguagem. Também necessita poder manipulá-lo e refletir sobre ele – que é o que lhe permite pensar em uma palavra, em um som, isolá-los e diferenciá-los, além de muitas outras coisas. A criança tem que ter desenvolvido uma certa consciência metalinguística para compreender os segredos do código. (1998, p. 55)

A autora Silva (2021, p. 222) enfatiza que as competências metalinguísticas de análise dos segmentos da fala, designadas genericamente como consciência fonológica, têm sido consideradas uma condição necessária para a promoção do sucesso educativo ao nível de alfabetização, mas ressalta que ainda só por si, não é suficiente.

Apesar da relevância da consciência fonológica, em particular da consciência fonêmica, para a compreensão do princípio alfabético, parece ser necessário a conjugação desta competência com o conhecimento das letras para apreensão conceptual da lógica alfabética (Byrne, 1998; Byrne & Fielding – Barnsley, 1991, 1993). O conhecimento das letras tem sido correlacionado com os progressos na aprendizagem da leitura (Adams, 1998; Alves Martins, 1996), quer quando as crianças são questionadas sobre o nome das letras (Bruck, Gnesee, & Caravolas, 1992) ou sobre o seu som. (Caravolas, Hulme & Snowling, 2001)

Conforme Morais (2004, p. 26 apud Simonetti, 2015, p. 16) para compreender que o que a escrita alfabética nota “são os sons das palavras orais e que o faz considerando segmentos sonoros menores que a sílaba, precisando desenvolver suas habilidades de análise fonológica”, exercendo uma reflexão metalinguística, em especial aquela modalidade que observa os segmentos sonoros das palavras. Assim, o professor pode utilizar situações didáticas que levem as crianças a pensar que a escrita representa os sons da fala e as letras se organizam para representar os sons da fala.

Morais lista certas habilidades para serem trabalhadas na escola a fim de auxiliar nossos alfabetizandos a avançar em sua compreensão e domínio da escrita alfabética, consideramos prioritário ajuda-los a serem capazes de:

Separar palavras em suas sílabas orais;

Contar as sílabas de palavras orais;

Identificar entre duas palavras qual é maior (porque tem mais sílabas);

Produzir (dizer) uma palavra maior que outra;

Identificar palavras que começam com determinada sílaba;

Produzir (dizer) uma palavra que começa com a mesma sílaba que outra;

Identificar palavras que rimam;

Produzir (dizer) uma palavra que rima com outra;

Identificar palavras que começam com determinado fonema;

Produzir (dizer) uma palavra que começa com o mesmo fonema que outra;

Identificar a presença de uma palavra dentro de outra (Morais, 2019, p. 135).

Sendo que todas essas habilidades listadas acima são possíveis de serem desenvolvidas para que os alunos se apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao contexto de letramento, sempre a partir de textos (parlendas, trava-língua, canção infantil, poesia, adivinhas, outros), por meio de estratégias considerando nível de complexidade aumentando gradativamente.

As diversas práticas letradas em que o aluno já se inseriu na sua vida social mais ampla, assim como na Educação Infantil, tais como cantar cantigas e recitar parlendas e quadrinhas, ouvir e recontar contos, seguir regras de jogos e receitas, jogar games, relatar experiências e experimentos, serão progressivamente intensificadas e complexificadas, na direção de gêneros secundários com textos mais complexos. (RCA, 2019. p.114)

Soares (2021, p. 294), com base nas suas pesquisas e estudos na rede pública do município Lagoa Santa-MG abordou em sua obra, Alfaletrar: Toda criança pode aprender a ler e a escrever, sobre a organização do ensino para ter continuidade e integração das aprendizagens no ciclo de alfabetização e letramento. As metas que devem ser trilhadas para alcançá-las nos componentes dos processos de alfabetização e letramento relacionados no Quadro 1, 2, 3, 4 e 5.

Tabla 1

Metas e continuidade

Habilidades e conhecimentos: Apropriação do
sistema alfabético de escrita

Pré escola

ano

ano

3º ano

Conhecimento das letras e do alfabeto

Discriminar letras de traçado semelhante – maiúsculas de imprensa

 

 

 

 

Discriminar letras de traçado semelhante – minúsculas de imprensa

 

 

 

 

Identificar letras maiúsculas de imprensa ouvindo o seu nome

 

 

 

 

Identificar letras maiúsculas de imprensa em palavras ouvindo o seu nome

 

 

 

 

Escrever letras maiúsculas de imprensa ouvindo seu nome

 

 

 

 

Escrever letras minúsculas de imprensa ouvindo seu nome

 

 

 

 

Relacionar palavras maiúsculas com letras minúsculas correspondentes (letra de imprensa)

 

 

 

 

Relacionar palavras maiúsculas com sua versão em minúscula (letra de imprensa)

 

 

 

 

Conhecer a ordem alfabética

 

 

 

 

Listar palavras de ordem alfabética com base na primeira letra no 1º ano, nas duas primeiras letras no 2º ano e nas três primeiras letras no 3º ano

 

 

 

 

Consciência Fonológica

Identificar números de sílabas em palavra ouvida

 

 

 

 

Identificar palavras que comece com a mesma silaba

 

 

 

 

Identificar palavras que rimam

 

 

 

 

Consciência

Fonêmica

Identificar, em um conjunto de palavras, aquelas que diferenciam apenas por fonema inicial ou apenas por fonema medial

 

 

 

 

Completar palavras com fonema-letras inicial ou medial

 

 

 

 

Localizar, em quadro de dupla entrada, silabas que se igualam ou se diferenciam pela relação fonema-grafema.

 

 

 

 

Escrita de palavras

Escrever palavras de forma silábica sem valor sonoro e em seguida com valor sonoro.

 

 

 

 

Escrever o próprio nome e o nome de familiares e colegas

 

 

 

 

Escrever espontaneamente (escrita inventada)

 

 

 

 

Escrever palavras de forma alfabética

 

 

 

 

Escrever corretamente sílabas com vogal nasal

 

 

 

 

Escrever corretamente palavras que contenham os dígrafos lh, nh

 

 

 

 

Escrever corretamente palavras em que os fonemas /k/ e /g/ são representados por qu e gu em função da vogal que se segue ao fonema

 

 

 

 

Escrever corretamente palavras com o r brando, r intervocálico, r forte e duplicado como rr

 

 

 

 

Escrever corretamente palavras com s intervocálico, s no inicio da palavra e duplicado como ss intervocálico

 

 

 

 

Escrever corretamente palavras com sílabas CV, CCV, CVC, V (oral ou nasal)

 

 

 

 

Relacionar palavras em letras de imprensa com sua versão em cursiva

 

 

 

 

Transcrever em cursiva palavra em letra de imprensa

 

 

 

 

Leitura de palavras

Identificar, em fichas, o próprio nome e nomes de colegas

 

 

 

 

Reconhecer o número de palavras em frases

 

 

 

 

Identificar uma mesma palavra escrita com diferentes fontes

 

 

 

 

Identificar determinada palavra em um texto

 

 

 

 

Ler corretamente palavras com sílabas com a letra R ou a letra S intervocálicas, iniciais ou duplicadas

 

 

 

 

Ler palavras formadas por sílabas CV, CCV, CVC, V (oral e nasal) e com dígrafos lh, nh, ch, gu, qu

 

 

 

 

Fonte: Soares (2021)

Tabla 2

Metas e Continuidade

Ortografia no ciclo de alfabetização e letramento

Pré-escola

1° ano

2° ano

3° ano

Diferenciar vogais abertas, fechadas e nasais

 

 

 

 

Identificar as marcas usadas para a nasalização de vogais: m, n, til

 

 

 

 

Inferir as regras de uso m ou n na nasalização de vogais

 

 

 

 

Memorizar a escrita de palavras de uso frequente em que sílabas -lha e -lho são escritas como -lia e -lio

 

 

 

 

Identificar a representação do fonema /k/ por qu e do fonema /g/ por gu em função da voga que se segue à consoante

 

 

 

 

Identificar os fonema correspondentes à letra R em diferentes contex-tos: r brando intervocálico, r forte no início de palavra e duplicado como RR quando intervocálico

 

 

 

 

Identificar os fonema correspondentes à letra S em diferentes contex-tos: s brando intervocálico, s forte no início de palavra e duplicado como SS quando intervocálico

 

 

 

 

Memorizar a escrita de palavra de uso frequente em que, em sílabas CVC, a consoante final pronuncia-se como U e escreve-se como L

 

 

 

 

Reconhecer palavras em que a vogal final é pronunciada com i mas representada pela letra e

 

 

 

 

Reconhecer palavras em que a vogal final é pronunciada com u mas representada pela letra o

 

 

 

 

Diferenciar a terminação -ou de verbos no passado da terminação -ol

 

 

 

 

Diferenciar as formas verbais que terminam com -m (passado) e com -ão (futuro)

 

 

 

 

Memorizar a escrita de palavras de uso frequente em que o fonema // é representado por x ou por ch e o fonema // antes de e e i é representado por j ou por g

 

 

 

 

Memorizar a escrita de palavras de uso frequente em que o fonema /s/ em início de palavra pode ser representado por C ou S

 

 

 

 

Memorizar a escrita de palavras de uso frequente iniciadas pela letra H

 

 

 

 

Memorizar a escrita de palavras de uso frequente em que há redução, em sílabas CVV e VV, dos ditongos ai, ei, ou

 

 

 

 

Identificar e corrigir, com meditação da/o professora/or, erros ortográficos ao rever seu próprio texto ou texto de colegas

 

 

 

 

Fonte: Soares (2021)

Tabla 3

Metas e Continuidade

Habilidades de leitura e interpretação no ciclo de alfabetização e letramento

Pré-escola

1° ano

2° ano

3° ano

Ouvir com atenção a leitura de textos

 

 

 

 

Ler oralmente pequenos textos com fluência e compreensão

 

 

 

 

Ler silenciosamente com fluência e compreensão

 

 

 

 

Incorporar o vocabulário novas palavras encontradas em textos

 

 

 

 

Inferir o sentido de palavras desconhecidas com base no contexto da frase

 

 

 

 

Identificar o gênero do texto pela configuração gráfica do portador

 

 

 

 

Reconhecer, em livro, a capa, o autor, o ilustrador

 

 

 

 

Diferenciar, no texto, trechos de fala de personagens e a forma de sua apresentação gráfica (discurso direto)

 

 

 

 

Formular previsões sobre a continuidade do texto, em interrupções de leitura oral de uma narrativa feita pela/o professora/or

 

 

 

 

Relacionar texto e ilustrações

 

 

 

 

Identificar informações explicita em texto lido pela/o professora/or

 

 

 

 

Localizar informação explicita em texto lido silenciosamente

 

 

 

 

Recontar histórias pela/o professora/or

 

 

 

 

Inferir informação implícita em texto

 

 

 

 

Relatar oralmente narrativa apresentada em textos verbo-visuais (tirinhas, história em quadrinhos) ou apenas visuais (livros de imagem)

 

 

 

 

Identificar relação de causa entre fatos de uma narrativa

 

 

 

 

Identificar a estrutura e textos narrativos: situação inicial, conflito, busca de solução, clímax, desfecho

 

 

 

 

Fonte: Soares (2021)


Tabla 4

Metas e Continuidade

Habilidades de produção de textos no ciclo de alfabetização e letramento

Pré-escola

1° ano

2° ano

3° ano

Participar oralmente de produção de texto destinada a interlocutores, professora/or como escriba (combinados, bilhete, carta)

 

 

 

 

Recontar oralmente e ditar para a/o professora/or, com colaboração dos colegas, história e/ou notícias lidas por ela

 

 

 

 

Produzir oralmente e ditar para a /o professora/or relato de atividade (passeio, excursão) realizada fora da escola

 

 

 

 

Escrever relato pessoal (sobre si mesmo, sobre desejos para o futuro, sobre acontecimento que viveu no passado, sobre a família, os amigos, etc)

 

 

 

 

Escrever grasse sobre uma cena ou sobre personagem de história conhecida ou de história em quadrinhos

 

 

 

 

Escrever legenda para gravura ou foto

 

 

 

 

Escrever narrativa retextualizando uma tirinha

 

 

 

 

Escrever texto relatando um acontecimento interessante, diferente (relato)

 

 

 

 

Escrever texto dando continuidade a uma situação inicial proposta (narrativa)

 

 

 

 

Produzir texto informativo sobre seres ou fenômenos estudados por interesse pessoal ou da turma

 

 

 

 

Escrever e expor na sala de aula ou na biblioteca cartaz divulgando livro lido

 

 

 

 

Revisar o texto com a orientação da/o professora/or e de colegas

 

 

 

 

Reescrever o texto produzido depois de revisão orientada (reescrita)

 

 

 

 

Fonte: Soares (2021)


Tabla 5

Metas e Continuidade

Convenções gráficas e ortográficas na produção de texto no ciclo de alfabetização e letramento

Pré-escola

1° ano

2° ano

3° ano

Reconhecer, ao acompanhar escrita da/o professora/or, a separação das palavras por espaços, a paragrafação, o uso do ponto final

 

 

 

 

Obedecer convenções de apresentação de texto na página: título, margens, paragrafação

 

 

 

 

Marcar o final de frases com ponto final

 

 

 

 

Marcar o final de frases com ponto de interrogação

 

 

 

 

Transcrever um texto apresentado em letra de imprensa em escrita cursiva legível e regular

 

 

 

 

Produzir textos com letra cursiva legível e regular

 

 

 

 

Usar articuladores de coesão próprios da língua escrita

 

 

 

 

Evitar repetições usando sinônimos e pronomes pessoais para referência a palavra anterior

 

 

 

 

Escrever corretamente obedecendo às normas ortográficas (Quadro 1 – “Ortografia” no capítulo “Consciência fonêmica: a apropriação do princípio alfabético”)

 

 

 

 

Fonte: Soares (2021)

Existem metas, não muitas, que podem ser desenvolvidas independentemente de um texto, através de atividades e jogos, sendo as metas referentes ao conhecimento das letras e do alfabeto (embora seja em textos que as crianças reconhecem letras), o desenvolvimento da consciência fonêmica (embora as atividades possam também partir de textos), algumas metas do componente produção textual em que é a criança que produz o texto (embora essa produção possa ser provocada pela leitura de um texto), a aprendizagem das normas ortográficas (embora possam ser identificadas em textos, principalmente nos textos produzidos pelas próprias crianças). Sendo “fundamental é que a criança compreenda que, quando se aprende a língua escrita, o que se prende é a ler e a produzir textos”. (Soares, 2021. p.307).

Ações pedagógicas

Saber ler e escrever muitas palavras não é suficiente para desenvolver a criança para ser capaz de realizar a leitura diversificada, dessa forma, surge a necessidade de se integrar as mesmas no processo de aprendizagem levando-as a um processo mais profundo nas práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Por isso, uma alfabetização que tenha como objetivo trabalhar ações na proposta de letramento precisa envolver a criança no processo de leitura, construção da escrita, uso de um ambiente letrado e por meio da organização do espaço e do tempo com uso de rotina pedagógicas na alfabetização com função organizadora junto aos alunos com sistematização do trabalho docente e variedade do trabalho com gêneros textuais.

Alfabetizar com uso de textos

Segundo Gurgel (2007, p. 35) “1 de cada 6 alunos que entram na 1ª série é retido todo ano. Cerca de 18% conseguem chegar a 4ª série sem terem sido alfabetizados. No entanto, há professores dedicados a ensinar que mostram a possibilidade de alfabetizar utilizando textos”. Nesse processo, a autora destaca quatro tipos de atividade eficientes para alfabetizar todos os alunos até o fim do ano, sendo estas: leitura para a classe; ler para aprender a ler; escrever para aprender a escrever; ditado para escriba.

Leitura para a classe

Nessa ação, Gurgel (2007) relata que o professor organiza a turma em uma roda e faz a leitura em voz alta de diferentes tipos de textos, podendo acontecer diariamente um tipo, por exemplo, conto, poemas, notícias, receitas, cartas entre outros. Variar os gêneros para que o repertório se amplie e a classe se familiarize com os mesmos.

A criança aprende nessa atividade a se familiarizar com a linguagem dos livros, ouvindo histórias que as divertem, dos jornais que trazem diversas notícias, dos manuais que ensinam passo a passo a usar um aparelho, etc., bem como, entender que cada texto é produzido e apresentado de diversas maneiras. Além disso, começa a perceber a diferença entre a língua falada e a escrita.

Gurgel (2007) diz ainda que a escolha deve ser coerente com o objetivo de trabalho para cada dia e prestar atenção na qualidade literária da obra e não por seu tamanho, pois livro para criança pequena não precisa ser curto. Por exemplo, reportagem de jornal tem a função de informar sobre as notícias da cidade, do Brasil e do mundo. Os folhetos informativos trazem listas de produtos em oferta nos supermercados. Os livros infantis devem ter destaque na rotina, mas também deve ser lido histórias de autores atuais.

Ao organizar a classe em uma roda onde os alunos ficam mais próximos uns dos outros, já se deve mostrar que a atividade tem uma dinâmica diferente pressupondo interação e diálogo. Nesse momento é preciso garantir que todos se interessem pela leitura antes de iniciá-la, mostrando a ilustração da capa e perguntando qual o título. Depois solicita-se que as crianças falem de que imaginaram tratar o enredo.

 No momento da leitura do texto, o professor deve caprichar na entonação, principalmente na fala dos personagens, para criar dramaticidade e dar ritmo à leitura. A cada trecho importante, mostra-se as ilustrações dão, página para toda a roda. Mesmo que haja palavras difíceis, não se faz simplificação, pois dessa forma que o vocabulário das crianças se amplia. No final abre-se um espaço para discussão em que todos se manifestem sobre o que foi lido a partir de questionamentos do professor, como por exemplo, em livros de histórias, pode se perguntar quais foram os trechos preferidos, que partes cada um achou mais engraçadas entre outras.

Ler para aprender a ler

Conforme Gurgel (2007) é a confrontação da criança com listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) e textos que a criança conheça de cor, como por exemplo, cantigas, parlendas e trava-línguas, propondo para a mesma que encontre palavras ou leia trechos de sua maneira mesmo antes de estar alfabetizada. Essa atividade pode acontecer em dias alternados e deve ser realizada só com alunos não alfabéticos. Para os alfabetizados, é aconselhável propor outras tarefas de leitura, já que eles conseguem ler com autonomia. O aluno aprende acompanhando o texto com o dedo enquanto recita os versos, buscando meios de associar as palavras fazendo a ligação do falado com o que está escrito.

Na escolha do texto utiliza-se listas conhecidas pelos alunos, como por exemplo, a de nomes dos colegas e textos memorizados, como parlendas e canções. A intervenção do professor consiste em rodar pela classe para acompanhar como cada um ou cada dupla está desenvolvendo a atividade e pede que o aluno encontre determinada palavra no texto. São feitas perguntas a diversos alunos, depois é feita a leitura do cartaz contendo o texto por um aluno convidado, provocando a reflexão e fazendo os alunos avançar na leitura.

Escrever para aprender a escrever

Gurgel (2007), ressaltou que a atividade deve ser proposta em dias alternados e realizada com a escrita de textos memorizados, como por exemplo, cantigas, parlendas, trava-línguas e quadrinhas ou de listas que podem ser escritos com lápis e papel com letras móveis. A criança se esforça para encontrar formas de representar graficamente o que necessita redigir, avançando no processo de alfabetização.

A turma deve ser organizada em agrupamentos produtivos com níveis de escrita próximos, pois nesse momento há argumentação e troca de ideias. No final é preciso confirmar o que está escrito solicitando aos alunos que leiam o que acabaram de produzir para que aconteça a problematização da diferença entre o que se lê e o que se escreve.

Ditado para escriba

Segundo Gurgel (2007) o ditado para escriba é uma atividade importante para que os alunos aprendam a compor um texto escrito onde o professor escreve no quadro o que os alunos criam oralmente de um determinado texto num gênero específico – conto, carta, bilhete, receita, notícia etc., mesmo sem estarem alfabetizados. Esta atividade deve acontecer várias vezes por semana, pois a criança aprimora na linguagem escrita ao adaptar a linguagem oral às exigências de um texto no que se refere às suas características. Antes de começar a atividade é necessário relembrar com as crianças as características dos gêneros e durante a escrita propor diversas discussões com os alunos.

No final, propor a releitura e a revisão do que se escreveu para identificar possíveis erros e também formas de melhorar o texto, pois para Soares (2021, p. 289-290): “[...] ao mesmo tempo que a criança vai aprendendo o sistema de representação fonema-grafema, vai também aprendendo a compreender e interpretar textos”. Sendo que de forma inicial os textos devem ser lidos pelos professores e, posteriormente, lidos pela criança, para que esta possa produzir textos, de início em escrita inventada, aos poucos frases, em pequenos textos de diferentes gêneros. Nesse mesmo processo ocorre com a escrita, sendo que a criança aprende a ler, a compreender e interpretar textos reais que lhe foram lidos ou que leu autonomamente, e aprende a escrever produzindo palavras e textos reais.

Ambiente letrado

O ambiente letrado em que ocorre a aprendizagem está estreitamente relacionado com a possibilidade de que tal aprendizagem se desenvolva. Segundo Teberosky y Colomer (2003, p. 104) o “ambiente é importante para os sujeitos do processo de aprendizagem tendo em vista que disponibilize materiais que podem ser objetos já elaborados comercialmente, ou produzidos pelas próprias crianças”. As autoras explicam ainda que os professores que entendem seu papel como os de organizadores de um ambiente rico em elementos escritos costumam prover suas classes com diversos tipos de materiais, tanto escolares quanto extraescolar.

Nessas condições, para desenvolver um ambiente rico em cultura escrita dentro da sala de aula com a finalidade de desenvolver conceitos sobre a alfabetização precisa ter uma quantidade suficiente de material escrito, destaca cinco categorias, sendo: inventário dos portadores e suportes escritos; tipos de língua escrita; localização e disponibilidade do material na sala de aulas; qualidade do material e tempo de exposição do material.

Inventário dos portadores e suportes escritos

Segundo Teberosky y Colomer (2003), o inventário dos portadores e suportes escritos são classificados como portadores de textos da vida cotidiana em escritos urbanos, escritos domésticos e escritos das máquinas interativas descritas a seguir:

  1.        Escrita do espaço urbano: São textos curtos encontrados nos lugares públicos, nas ruas que servem para designar, ordenar ou informar pessoas. Por exemplo, os pôsteres, cartazes, painéis, textos comemorativos, folhetos, entre outros.
  2.        Textos do espaço doméstico: São textos que dão informação e comunicam diretamente sem passar pela linguagem. Por exemplo, os rótulos, signos, marcas e logotipos, folhetos, material publicitário, manuais, entre outros.
  3.        Escritos das máquinas interativas: São máquinas onde apresenta uma mistura de escrita alfabética, ícones e ilustrações diversas que servem para ordenar de forma interativa e seqüencial as ações que se pretende realizar. Por exemplo, o computador, aparelhos eletrônicos, entre outros.

Tipo de linguagem escrita

Conforme Teberosky y Colomer (2003), o tipo de linguagem escrita é considerada suporte próprio do mundo da escrita que apresenta uma linguagem mais rica e variada. Como por exemplo, os livros, jornais, revistas, gibis, etc. Nesse meio, pode-se contemplar as enciclopédias, os dicionários, os atlas, suportes comerciais, além dos textos produzidos pelas crianças.

Localização e disponibilidade do material na sala de aulas

Os suportes impressos devem ser posicionados próximos da visão das crianças, como por exemplo, os cartazes ou textos, livros e outros materiais para que a mesma tenha acesso à manipulação ou contato com os mesmos, pois para Teberosky y Colomer (2003, p. 110) em muitas salas de aula existem a escassez de material e falta de organização pelo fato do material ficar fora da visão da criança, “cartazes ou textos longe do alcance da criança, acima do quadro-negro ou do armário, que a deixam sem possibilidade de chegar a eles por seus próprios meios. Está demonstrado que a proximidade física dos livros influi no interesse e no entusiasmo das crianças”.

Qualidade do material

Teberosky y Colomer (2003), ao abordarem sobre a qualidade do material dizem que é importante que os professores desenvolvam critérios de seleção de livros e materiais para despertar o interesse da criança e facilitar a compreensão no momento da leitura. Assim, deve ser levada em consideração a qualidade e a clareza das ilustrações, as características de previsibilidade do texto, sua extensão e o nível do vocabulário e dos conceitos.

Tempo de exposição do material

Para o material escrito que foi exposto na sala de aula apresente um valor funcional, Teberosky y Colomer (2003), enfatizam que faz-se necessário que o professor utilize e relacione com as atividades da classe ou integrado como conteúdo de ensino dentro das atividades de aprendizagem, bem como substituído, caso contrário, ele terá apenas valor de enfeite permanecendo durante o ano letivo mostrando que não foi usado para o desenvolvimento das atividades.

A leitura nas políticas educativas: alguns objetivos e domínios

De acordo com Alçada (2021) em seu artigo Políticas de Leitura da Universidade Nova Lisboa citou domínios, dos quais vale ressaltar alguns objetivos que asseguram o sucesso na alfabetização, consolidando e ampliando o domínio da leitura visando o desenvolvimento da literacia, estimulando a prática da leitura orientada nas salas de aula e no trabalho autônomo dos alunos que induza leitura, contribuindo para a superação de dificuldades na iniciação e nos processos de consolidação das competências de leitura em alguns sistemas com apoio de especialistas como: orientações sobre leitura nos currículos escolares e nos programas de ensino; definição de tempo letivo dedicado à leitura (em particular na área da língua materna); planos estratégicos para valorizar e reforçar a leitura; identificação precoce de dificuldades na área da leitura e acompanhamento e apoio a alunos, docentes e famílias.

E para desenvolvimento do objetivo de estimular o prazer de ler, o interesse pela leitura e as práticas autônomas de leitura, na escola e em tempo livre, informa sobre a disponibilização e dinamização de bibliotecas escolares de acesso livre e gratuito, com obras adequadas aos vários níveis de leitura, correspondentes aos interesses das crianças, dos jovens ou dos adultos. Além de organização de encontro de turmas com escritores e ilustradores, bem como atividades lúdicas, como concursos, prêmios, feira de livro, semanas da leitura e acontecimentos festivos.

 

Comentários

A implementação deste estudo surgiu a partir da necessidade de se retomar algumas discussões relacionadas sobre a importância de se realizar o diagnóstico adequado para identificar as hipóteses de escrita, da alfabetização nos primeiros anos do Ensino Fundamental, bem como a importância dos conhecimentos teóricos práticos da alfabetização. Apesar da disponibilidade de uma ampla variedade de referências bibliográficas que discutem os termos “alfabetização e letramento”, o aprendizado da leitura e escrita e a proposta de letramento continua sendo um desafio para o fazer docente.

Há décadas, a alfabetização é vista como um dos maiores problemas na educação brasileira. O que se pôde constatar, a partir da pesquisa bibliográfica, foi a importância da abordagem psicogenética da escrita, suas contribuições para a compreensão do princípio alfabético, a relevância da proposta de alfabetização e letramento tendo em vista a intencionalidade pedagógica para o desenvolvimento de habilidades. Estas abordagens possibilitaram perceber a relação teórica-prática, sob uma ótica que muda a antiga concepção dos métodos de alfabetização. Como esclarece Soares (2021), os métodos de alfabetização consideram cada um apenas uma parte de um processo complexo de aprendizagem do sistema alfabético, assumindo uma determinada faceta desse processo como sendo o todo.

Por isso, é essencial que o alfabetizador perceba que o acompanhamento do processo se faz por meio de diagnósticos para conhecer os desafios cognitivos de cada criança, perceber as crianças que têm um ritmo mais lento e outras necessitando de orientação individual assegurando direito de aprendizagem. Não para identificar erros das crianças, e sim definição clara do que se pretende que a criança aprenda, verificando se as mesmas estão alcançando habilidades definidas como indispensáveis para que elas avancem nas hipóteses, se tornem alfabetizadas e letradas. Caso contrário, fará um diagnóstico para preencher os documentos oficiais da escola ou por exigência dos coordenadores pedagógicos, correndo o risco de cair numa prática mecânica sem intervenção pertinentes, sendo um instrumento de sondagem inútil.

Compreende também que o professor com participação em formação continuada sobre alfabetização e letramento, percebe a importância da articulação entre currículo, as atividades realizadas e a avaliação diagnóstica e formativa, priorização curricular e rotina pedagógica com clareza do que se quer ensinar e onde se quer chegar, do reconhecimento da intencionalidade pedagógica, clareza da relação entre habilidades e objetivos e considerando o estágio em que a turma se encontra, pois na falta deste, não teria elementos que possibilitasse a interpretação psicogenética e científica da escrita, de práticas voltadas para o desenvolvimento da leitura e escrita dos alunos.

Todavia, deve-se considerar outros fatores importantes que corroboram para que esta proposta alcance resultados satisfatórios.

Nesse sentido, destacam-se a seguir, de maneira geral, alguns caminhos:

-          Acompanhamento do processo ensino-aprendizagem com utilização de diagnósticos permanentes e constantes de hipóteses de escrita, de leitura, de produção textual para nortear o desenvolvimento de planejamento e elaboração de plano de ação considerando a fase em que estão as crianças para que o(a) alfabetizador(a) possa trabalhar de modo que todas avancem.

-          Adotar procedimentos, como por exemplo, agrupamentos produtivos com alunos que apresentem saberes próximos acerca do sistema alfabético, para orientar as crianças a avançar em níveis diferentes de compreensão do sistema de escrita de modo que ocorra o acompanhamento da interação dos grupos e a análise progressiva das habilidades.

-          Metas organizadas específicas do ano e em continuidade das habilidades e conhecimentos que devem ser desenvolvidas para alfabetizar letrando. Planejar e revisitar as metas definidas para a sequência dos anos que caracterizam a base curricular do ciclo de alfabetização e letramento, definindo os objetivos, as metas a que habilidades a criança precisa desenvolver, que conhecimentos precisa adquirir para que se seja capaz de ler, escrever e interpretar com autonomia e compreensão.

-          Participação constante em encontros e cursos de formação continuada para o desenvolvimento profissional do professor para que o mesmo busque novas formas de entender e pensar o seu papel diante das novas necessidades socioculturais, reconhecendo a importância do conhecimento teórico para aperfeiçoar as práticas de ensino-aprendizagem. Cabe destacar, que como modalidade de Formação Continuada, a formação continuada em serviço, promovida pela própria escola, é uma prática significativa que tem o objetivo de refletir sobre as práticas docentes no contexto e realidade da escola, lançando mão de conhecimentos teóricos e científicos que podem contribuir para o aprimoramento do seu fazer.

-          A necessidade de formação do coordenador pedagógico não apenas com a fundamentação teórica desenvolvida com os professores, mas também para o desenvolvimento do papel seu profissional como articulador e formador de seus professores na escola. Faz-se necessário que o corpo técnico e docentes reúnam-se para que, juntos, possam discutir acerca dessa proposta que ainda traz muitas dúvidas, a fim de planejar objetivos, metas e estratégias para que as crianças se tornem alfabetizadas letradas no tempo certo. Tal compreensão pode advir de planejamento coletivo, ciclos de estudos, oficinas pedagógicas e outros encontros pedagógicos.

-          Acompanhamento do fazer docente pelos formadores, equipe técnica da Secretaria de Educação, pedagogos escolares a fim de analisar e acompanhar o que o professor está propondo ao sujeito da aprendizagem, o que conseguiu fazer e o que não conseguiu fazer e como ajudá-lo, oportunizando apoio ao professor. Rever o que o professor pode aprender, identificar cada professor com habilidades em práticas exitosas que podem contribuir com os demais colegas e compartilhar experiências para discutir os próximos caminhos.

-          Incentivo e gratificação por desempenho e por dedicação do professor alfabetizador, pois o processo de alfabetização se dá na sala de aula e o educador é a peça fundamental para garantir esse direito de aprendizagem.

-          Investimento do poder público em formação continuada, cursos de pós-graduação do professor alfabetizador, em e recursos pedagógicos, em projeto de biblioteca de classe com acervo de livros de qualidade oferecendo melhores condições de trabalho e planos de intervenção pela secretaria de educação para que a gestão seja engajada no compromisso coletivo com as políticas públicas com possibilidades de resultados efetivos de alfabetização.

-          Enfrentar esses desafios constitui-se como ação mais emergente para que o trabalho envolvendo práticas pedagógicas significativas de alfabetização e letramento possa desenvolver-se com intencionalidade para o desenvolvimento de habilidades garantindo o direito de aprendizagem dos estudantes.


Referências

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